como cuidar da sua árvore



Depois
            – O serviço está pronto. – Disse um jovem de dezoito anos que limpava a faca suja de sangue com um pano. – Demorou um pouco porque ele ficou enrolando com um amigo dele.
            Era uma sala de escritório como qualquer outra, uma escrivaninha, computador, papelada e duas poltronas de couro confortáveis, uma de cada lado da mesa. O velho estrangeiro estava sentado atrás da escrivaninha, usava uma camisa florida de abotoar meio aberta dando para ver uma camiseta por baixo com a uma estampa escrita GRINGÔ.
            – Enrôlando? Deve ter acontecidô algo interressânte. – Um sotaque inglês que causava náuseas ao jovem ecoava pela sala. – Me conte comô foi. Querro ouvir alguma boa histórria hoje.
            – Na primeira esquina que nós entramos enquanto eu o seguia, ele esbarrou com quem parecia ser um velho amigo. – Começou a contar a história o jovem com a faca, agora limpa, na mão. – Fiquei logo atrás, sentado em um banco qualquer que estava coberto pelas sombras, apenas observando eles.


Durante
            – Juro pra você! – Dizia o amigo de Carlos, Abel, que parecia ser alguém da sua época de infância que ele não encontrava há tempos. – No dia seguinte ele já estava de cadeira de rodas e tão retardado que mal conseguia beber água.

Depois
            – O amigo dele era alto, magro e com olheiras que deixavam a entender que dormir, não era seu esporte predileto. – Explicava o jovem em pé na sala, enquanto o Gringô ouvia tudo atentamente sentada na poltrona atrás da mesa. – Já o cara que você me mandou “conversar”, estava com um terno preto bem escuro e suponho, no mínimo, que ele era algum tipo de empresário ou bancário. Penso isso não só por causa da roupa, mas porque para poder bancar os custos da manutenção daquele carro importado, que teve que ser mandado para o mecânico graças a uma falha ‘inesperada’ que ocorreu, precisa no mínimo ter verba para poder comer caviar todo dia. Mas sobre o carro, graças a falha, o executivo teve que ir de coletivo...

            – Coletivô?! ­– O Gringô fica confuso com a gíria que ainda não havia aprendido.

            – Me desculpe! Esqueci que você não era daqui. Coletivo é um busão ou ônibus, não sei qual desses nomes você conhece. É que não tenho costume de falar com gente de fora.

            – Continue entom, não quis atrapalharr.

            – Então. – Continuou o jovem. – Ele teve que pegar o cole... Digo. Ônibus, para descer em uma avenida que ficava a um quilometro de distância da sua nova casa, que por algum acaso era a casa em que ele viverá a infância e havia se mudado logo após arranjar o primeiro emprego há anos atrás. Comecei a notar, mesmo de longe, que o encontro com seu velho conhecido havia virado um incômodo, pois o executivo apenas queria chegar em casa para descansar. Mas acho que no final, ele deveria agradecer, pois aquele encontro lhe deu mais alguns minutos de vida.

Durante
            – Você quer que eu acredite nisso?! – Disse Carlos fingindo interesse. – Não precisava inventar uma história dessas pra contar por que cortaram a grande árvore. No fundo, era apenas uma árvore que as crianças do bairro brincavam, não tinham por que cortar ela. – Comentou ele enquanto reparava em uma mancha vermelha de molho de tomate que surgirá em seu terno Zegna novinho.
            – Mas é verdade! – Abel começou a explicar já perdendo a paciência. – Não tenho motivos para mentir, derrubaram sem deixar rastros. Depois que você se mudou daqui, um casal com filhas gêmeas que pareciam ter quinze anos na época, compraram o terreno com a grande árvore. Da nova família, eram os quatro muito brancos, todos loiros, vestiam sempre conjuntos de roupas de uma única cor e tinham uma estranha marca de um triangulo debaixo da unha do dedão da mão esquerda, reparei nisso um dia que fui ao mercado com minha mãe, encontramos o casal com as gêmeas fazendo compras, nesse dia vestiam roupas totalmente marrons. Eles falavam da construção da casa que estava atrasando e queriam que terminasse logo, minha mãe logo perguntou o que eles fariam com a árvore, eles responderam que na verdade, o principal motivo deles terem comprado o terreno foi porque aquela árvore estava ali, falaram que iam montar um jardim para ela e tudo mais. A família mudou-se para a nova casa assim que ela ficou pronta, mais ou menos três meses após o início da construção.
            Mesmo com Carlos estampando o tédio em sua cara, Abel, que não dormia há dias, continuava sua história como um ditador da ordem ao seu povo, invulnerável e Incontestável.
            – Ficamos sem ver a família por um mês depois do termino da construção da casa. Até que um dia, eu e os garotos do bairro íamos jogar bola...

Antes
            A casa nova se destacava. A pintura branca do muro brilhava ao sol, o portão prata refletia tudo o que havia naquela rua, mas não permitia a mínima visão da parte de dentro do terreno. Duas garotas, extremamente brancas permaneciam paradas em frente a nova casa, eram gêmeas e eram residentes daquele lar. Elas vestiam camisetas vermelhas, não usavam nenhum tipo de adorno e suas saias, também vermelhas, deixavam mais da metade de suas claras e robustas pernas a mostra, dando um tom sensual para o que deveria ser monótono pelo único tipo de cor. Ambas as meninas começaram a olhar para o final da rua, que foi de onde começou a vir um grupo de garotos, com o mais variadas idades, dois garotos de quinze, alguns de onze e dez, e dois de oito anos. João e Golias, os dois garotos mais velhos, diferente dos outros, já tinham o costume e a curiosidade de falarem sobre drogas, pelos pubianos e mulheres com uma naturalidade muito maior, as vezes, pareciam até ser experts nesses assuntos. O jovem Abel, de oito anos, olhava sem entender muito bem o que os garotos mais velhos armavam, só conseguia ver João, um moreno com ombros largos e troncudos que tinha um cabelo semi-raspado, daqueles que ficam parecendo barba por fazer, e Golias, que tinha uma pele clara, era magro e sustentava sobre a cabeça um incrível cabelo de cor alaranjada que deixava crescer a esmo, parecendo um algodão doce feito de uma lã de aço enferrujada, ambos combinando ideias de como “atacar” o sexo oposto, definindo quem vai ficar com quem, e qual assunto iriam tratar.
            Abel junto com as outras crianças observaram enquanto os dois garotos se aproximavam das meninas, que nesse momento olhavam para seus futuros galantes cavalheiros. Nunca se soube qual como iniciaram a conversa e como ela se desenrolou. Depois de quinze minutos, as gêmeas e os dois garotos entraram para a casa com o portão prata, e visto isto, os garotos que estavam na rua perceberam que era melhor ir jogar bola logo e não esperar que os meninos mais velhos voltem tão cedo. Quando as crianças chegaram ao final da rua, quase saindo dela, se ouviu o portão prata abrir e depois se fechar com força, Abel olhou para trás e pediu para os meninos pararem de andar. Golias, que podia ser notado a distância pelo seu cabelo brilhando ao sol, veio se aproximando correndo e parou em frente as crianças inclinado, com as mãos no joelho, tentando resgatar todo o fôlego perdido pela corrida. Depois de recuperar o ar, e as crianças ficarem perguntando o que aconteceu e onde estava João, Golias começou a falar:
            – Cara! Lá dentro é muito estranho. É tipo um jardim gigante, sem nenhuma casa ou parede, apenas se via flores que variavam de formato mas que todas mudavam de cores dependendo do ângulo que se olhava para ela. As gêmeas me disseram que eram plantas exóticas de Madagascar.
            Golias começou a soluçar e ficar ofegante, parecendo estar bem aflito mas continuou a contar:
            – Nós fomos direto para o centro daquele jardim estranho, onde estava a grande árvore, e começamos a nos pegar. Eu comecei a estranhar como foi fácil ficar com elas, mas fiquei de boas, mas depois de um minuto as gêmeas começaram a falar umas coisas estranhas, sobre ser bom elas terem encontrado uma nova árvore, que iam cuidar bem dela, diferente do que aconteceu com a outra, falavam que sofreram muito com a última mudança e outras coisas.
            Abel e as crianças perguntaram como se fossem um coral:
            – Então, o que aconteceu?
            Golias olhou pra eles sabendo que poderia soar um pouco estranho o que ele iria dizer e falou:
            – Eu sai. Mas assim, não normal desse jeito. As meninas ficaram falando para eu ficar e tal e começaram a segurar meu braço com força, e eu falando, “eu tenho que ir”, quando de repente elas começaram falar com uma voz demoníaca, tipo aquelas grossas de filme. Aí eu peguei e sai correndo.
            Abel naquela época não compreendia muito quando o assunto tinha um teor mais sexual, mas ele se juntou a maioria dos garotos quando começaram a falar que o jovem Golias era homossexual. Realmente não era uma história fácil de acreditar e por isso caçoar foi a solução mais prática para as crianças. Mas então os jovens continuaram com o plano de irem jogar bola, mas todos com o pensamento que dois deles havia tirado a sorte grande, mas um teve a ousadia de desperdiçar.
            Eram nove da noite quando os garotos, exaustos de jogar futebol, voltavam para casa, passaram em frente à casa das gêmeas e ninguém estava lá, se olharam e entraram em um consenso silencioso de que João já havia ido para casa. E de fato, João havia ido direto para casa, os pais dele o acharam na calçada do seu lar sentado em posição fetal, com manchas de sangue por toda a roupa e com duas marcas vermelhas no rosto, vindo dos olhos, indo para o queixo, fazendo parecer que ele tinha chorado sangue. João nunca mais falou com ninguém e morreu, sem motivos aparentes, ao completar 18 anos.
            A polícia no dia seguinte ao jogo de futebol dos garotos, invadiu a casa dos novos moradores do bairro mandados pelo pai de João, que era um grande político da região. Quando entraram, viram que lá dentro era um gigantesco quintal de terra que parecia ter sido arada recentemente, mas não havia nenhuma planta ou flor, apenas a antiga árvore que estava mais verde e mais viva do que nunca com a terra a sua volta regada com sangue. A estranha nova família nunca mais foi vista e notaram registro da casa foi feito em cima de uma rica família que viverá na Inglaterra, dada como desaparecida depois que um grande incêndio em seu castelo deixou apenas destroços e uma árvore morta no meio do terreno que aparecerá cortada no dia seguinte. E por um certo acaso do destino, o mesmo que aconteceu no castelo, aconteceu ali, um incêndio alastrou-se horas depois da saída dos policias e sobrara apenas a árvore morta, que mesmo com o terreno interditado, fora cortada misteriosamente no dia seguinte.”

Durante
            – Hm... – Geme Carlos querendo acabar com o assunto e pensando de que filme o magricela tirou toda essa história.
            Depois de longos três segundos sem falar nada e o constrangimento atingindo Abel, ele se despede e vai embora dando um tapa nas costas do velho amigo como se tivesse ajudando alguém engasgado.

Depois
            O Gringô fala alguma coisa em seu idioma que soa incompreensível a não ser pela parte que dizia algo sobre fazer um filme sobre isso, então solta uma altíssima gargalhada.
            O jovem assassino abre um leve sorriso por educação, coloca a mão no casaco e põe sobre a mesa a identidade de um homem que parecia ser um executivo com o nome Carlos manchada de sangue e um pote cheio de formol com um pinto dentro. Pegou uma maleta que estava sobre a cadeira e disse:
            – Fiz o serviço quando ele passou por uma rua que não tinha, nem luz, nem movimento. – Disse enquanto abria uma fresta da maleta para verificar se realmente havia dinheiro lá dentro. – Vou indo. Mais alguma coisa?
            O GRINGÔ abre a gaveta da escrivaninha e coloca o pote com formol junto a outros iguais que estavam marcados com datas e nomes.
            – Tôme essa lista. – Tirou uma folha da gaveta e fechou-a. – Three names e eu te dôu um mês. Pagô cinco vezes mais do que eu paguei hoje.
            O assassino dobra e guarda o papel, aperta a mão do estrangeiro fazendo um sinal de positivo com a mão e vai embora.